sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Kit Culpa

Hoje passeando pela blogosfera vi esse texo no What About e A-M-E-I! Tive que reproduzi-lo aqui!

"Você pode não notar quando o menino nasce. Se colocaram atrás da orelha dele, ou grudado ao punho, junto com a pulseirinha de hospital, ou se o pacote veio escondido na primeira fralda. Mas quando você chega em casa com o bebê, o kit-culpa dá um jeito de se instalar, incógnito. Aliás, fica fácil passar despercebido diante de um novo bebê em casa. Ninguém tem olhos para outro lado que não seja o do berço. Enquanto todos se distraem com aquela coisinha fofa, o kit-culpa se acomoda em algum canto inexplorado, à espera do momento de agir.

Mesmo que você ame o seu filho mais do que a si mesma – e você vai amar. Mesmo que você faça por ele mais do que já fez por qualquer pessoa na vida, inclusive por si mesma – e você vai fazer. Cedo ou tarde, você percebe que trouxe para morar em sua casa, junto com o seu bebê, um arsenal de pequenas e grandes culpas, novinho em folha e em pleno crescimento.

Começa quando você sai de casa pela primeira vez, entre uma mamada e outra. Desfilar por aí sem a boa e velha barriga que você carregou por nove meses e sem levar no colo quem estava dentro da barriga gera sensações que já dão uma leve noção do que você ainda vai experimentar mais adiante. Mesmo que você và à farmácia para comprar mais fraldas. Mesmo que vá ao médico para tirar os pontos.

O tempo passa, aquela coisinha-tão-bonitinha-da-mãe vai conquistando você por inteiro, até que chega o fim da licença-maternidade. Por um segundo, você imagina que vai ser sacrificante conciliar amamentação e trabalho.

Mas basta pensar para sentir um remorso cortante por ter tido a capacidade de aventar a reflexão. Vire essa ideia pra lá: você vai amamentar até ele não querer mais e ponto final. E quando ele não quiser mais, você vai pensar: o que será que eu fiz de errado? Ou você vai ser corajosa o suficiente para decidir por si mesma que a amamentação parou por ali. E se não sentir culpa alguma por isso, palmas pra você.

E enquanto você faz o test-drive em sensações intermitentes de desconforto, o verdadeiro kit-culpa vai crescendo em seu esconderijo. O modelo-padrão apresentará, na maturidade: a sensação de que está faltando algo quando você se diverte sem o seu filho; uma vontade de chorar quando você viaja sem ele, mesmo que seja a trabalho – principalmente quando você vê uma criança da mesma idade; a certeza de que você nunca está com ele por tempo suficiente; e o principal: a constante sensação de que você errou em um ou mais pontos na criação daquele bebê.

Mas não se desespere: com o tempo, você aprende a administrar os sentimentos que vieram no pacote e volta a seguir em frente sem maiores sofrimentos. Afinal, você está trabalhando, vivendo a vida, e tudo o que você faz, de uma forma ou de outra, inclui o seu filho.

O problema é quando ele descobre. Um dia, aquele bebê que cresceu um pouquinho percebe a existência sutil desses sentimentos todos e passa a se aproveitar deles. É aí que começa o problema.

Como no dia em que você abre uma exceção e vai levá-lo à escola, dispensando o escolar. E o que de início gerou pulinhos de felicidade torna-se uma situação constrangedora na porta da sala de aula. Aquele menino que sempre sai da van feliz e sorridente volta a agir como o bebê que outro dia você colocou na escola: agarra o seu pescoço, como se você o estivesse castigando, e inicia um choro carregado de tamanho sentimento que você se convence de que definitivamente tem problemas. Depois de alguns minutos de desespero e dúvidas, você o deixa em prantos no colo da professora e sai em fuga, fingindo firmeza e já atrasada para aquela reunião.

A caminho do trabalho você cai no choro e já vai arquitetando o plano: ligar para alguém que lhe recomende um bom psicólogo infantil, depois marcar uma sessão urgente como seu próprio psicólogo e, mais tarde, quando estiver recuperada, ter com seu filho uma longa e séria conversa.

Chegando ao escritório, você liga para a escola e tem a notícia de que ele já está perfeitamente adaptado à rotina da sala de aula, como se nada houvesse acontecido.

Um misto de raiva e alívio alcança o seu coração. Ainda não é hora de ligar para o psicólogo. Não para o dele, porque talvez seja urgente uma sessão com o seu, a fim de sobreviver até a próxima crise."

Por Cris Guerra

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