Hoje passeando pela blogosfera vi esse texo no What About e A-M-E-I! Tive que reproduzi-lo aqui!
"Você pode não notar quando o menino nasce. Se colocaram atrás da
orelha dele, ou grudado ao punho, junto com a pulseirinha de hospital,
ou se o pacote veio escondido na primeira fralda. Mas quando você chega
em casa com o bebê, o kit-culpa dá um jeito de se instalar, incógnito.
Aliás, fica fácil passar despercebido diante de um novo bebê em casa.
Ninguém tem olhos para outro lado que não seja o do berço. Enquanto
todos se distraem com aquela coisinha fofa, o kit-culpa se acomoda em
algum canto inexplorado, à espera do momento de agir.
Mesmo que você ame o seu filho mais do que a si mesma – e você vai
amar. Mesmo que você faça por ele mais do que já fez por qualquer pessoa
na vida, inclusive por si mesma – e você vai fazer. Cedo ou tarde, você
percebe que trouxe para morar em sua casa, junto com o seu bebê, um
arsenal de pequenas e grandes culpas, novinho em folha e em pleno
crescimento.
Começa quando você sai de casa pela primeira vez, entre uma mamada e
outra. Desfilar por aí sem a boa e velha barriga que você carregou por
nove meses e sem levar no colo quem estava dentro da barriga gera
sensações que já dão uma leve noção do que você ainda vai experimentar
mais adiante. Mesmo que você và à farmácia para comprar mais fraldas.
Mesmo que vá ao médico para tirar os pontos.
O tempo passa, aquela coisinha-tão-bonitinha-da-mãe vai conquistando
você por inteiro, até que chega o fim da licença-maternidade. Por um
segundo, você imagina que vai ser sacrificante conciliar amamentação e
trabalho.
Mas basta pensar para sentir um remorso cortante por ter tido a
capacidade de aventar a reflexão. Vire essa ideia pra lá: você vai
amamentar até ele não querer mais e ponto final. E quando ele não quiser
mais, você vai pensar: o que será que eu fiz de errado? Ou você vai ser
corajosa o suficiente para decidir por si mesma que a amamentação parou
por ali. E se não sentir culpa alguma por isso, palmas pra você.
E enquanto você faz o test-drive em sensações intermitentes de
desconforto, o verdadeiro kit-culpa vai crescendo em seu esconderijo. O
modelo-padrão apresentará, na maturidade: a sensação de que está
faltando algo quando você se diverte sem o seu filho; uma vontade de
chorar quando você viaja sem ele, mesmo que seja a trabalho –
principalmente quando você vê uma criança da mesma idade; a certeza de
que você nunca está com ele por tempo suficiente; e o principal: a
constante sensação de que você errou em um ou mais pontos na criação
daquele bebê.
Mas não se desespere: com o tempo, você aprende a administrar os
sentimentos que vieram no pacote e volta a seguir em frente sem maiores
sofrimentos. Afinal, você está trabalhando, vivendo a vida, e tudo o que
você faz, de uma forma ou de outra, inclui o seu filho.
O problema é quando ele descobre. Um dia, aquele bebê que cresceu um
pouquinho percebe a existência sutil desses sentimentos todos e passa a
se aproveitar deles. É aí que começa o problema.
Como no dia em que você abre uma exceção e vai levá-lo à escola,
dispensando o escolar. E o que de início gerou pulinhos de felicidade
torna-se uma situação constrangedora na porta da sala de aula. Aquele
menino que sempre sai da van feliz e sorridente volta a agir como o bebê
que outro dia você colocou na escola: agarra o seu pescoço, como se
você o estivesse castigando, e inicia um choro carregado de tamanho
sentimento que você se convence de que definitivamente tem problemas.
Depois de alguns minutos de desespero e dúvidas, você o deixa em prantos
no colo da professora e sai em fuga, fingindo firmeza e já atrasada
para aquela reunião.
A caminho do trabalho você cai no choro e já vai arquitetando o
plano: ligar para alguém que lhe recomende um bom psicólogo infantil,
depois marcar uma sessão urgente como seu próprio psicólogo e, mais
tarde, quando estiver recuperada, ter com seu filho uma longa e séria
conversa.
Chegando ao escritório, você liga para a escola e tem a notícia de
que ele já está perfeitamente adaptado à rotina da sala de aula, como se
nada houvesse acontecido.
Um misto de raiva e alívio alcança o seu coração. Ainda não é hora de
ligar para o psicólogo. Não para o dele, porque talvez seja urgente uma
sessão com o seu, a fim de sobreviver até a próxima crise."
Por Cris Guerra
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